domingo, 8 de junho de 2014

Em 1950, a Bahia ficou de fora da Copa do Mundo por falta de estádio pronto

O anúncio do Guaraná Frateli Vita toma meia página da publicação. “O verdadeiro alimento para os músculos”, garante a propaganda. Algumas folhas depois, a Alfaiataria Londres promete “tornar o leitor mais elegante” e anuncia até o número do telefone de quatro dígitos: 25-56. Mais adiante, a Casa Clark promove seu principal produto: “Botinas para foot-ball”.

Mas, em meio à publicidade, o que realmente importava naquela 22ª edição da Revista Rádio Esportes, de 1947, estava nas páginas 22 e 23. “Do ‘campinho’ surgirá o grande estádio”, manchetou a revista, com título atravessando duas páginas. O “campinho” era nada menos que a principal “arena” do futebol baiano: o Campo da Graça. E, “para gaudio de toda a Bahia”, ele estava prestes a se tornar um estádio para a Copa de 1950. 

Como se sabe, isso não aconteceu. Nem na Graça, nem na região da Fonte Nova, o outro local em que se cogitou construir uma praça esportiva para o Mundial. E Salvador ficou de fora da Copa de 50. Mas, por que nenhum dos dois estádios tiveram condições de receber o evento? Reviramos arquivos e ouvimos especialistas que reforçam uma ideia: a realização da Copa 2014 em Salvador é, antes de tudo, uma reparação histórica. Afinal, enquanto o Brasil recebe o Mundial pela segunda vez, para a Bahia essa será a primeira.

Acanhado 
No tempo em que a única forma de chegar à Graça era de bonde, havia a esperança de que Salvador fosse uma das cidades-sede daquele Mundial. Acanhado, o Stadium Artur Morais, nome oficial do campinho, carecia de reforma. “Deste amontoado de zincos e arquibancadas desengonçadas surgirá um estádio à altura do progresso da nossa capital(...) A nossa futura praça de esportes poderá servir de teatro para a disputa do Campeonato do Mundo”, confiava a revista.

A reforma foi projetada, plantas da nova estrutura publicadas em jornais da época. A Revista Rádio Esportes estampava o governador Octávio Mangabeira no lançamento da pedra fundamental, em pleno 2 de julho. Não saiu do papel. Segundo o pesquisador Mário José Gomes, 74 anos, foram dois os principais motivos que impediram o projeto de ir adiante. Primeiro: em uma primeira vistoria, o Campo da Graça não passou pelo crivo da Fifa. “Sequer as dimensões do campo eram oficiais. O Campo da Graça tinha menos que os 90 metros mínimos de comprimento. E naquela época já existia o padrão Fifa”, afirma Gomes. A outra questão era o lugar nobre em que ele ficava. “Os moradores da Graça, bairro de elite, protestaram. Eles não queriam a ampliação”. 
Só havia outra possibilidade. Em 1939, o estado havia desapropriado uma área na Fonte Nova. Na verdade, antes mesmo da ideia da reforma da Graça, desde o início dos anos 40, já existia um projeto ousado para aquela região: a construção de uma grandiosa praça esportiva. Segundo o engenheiro Paulo Segundo da Costa, autor de biografia sobre Octávio Mangabeira, o então interventor Landulfo Alves chegou a determinar que a Secretaria de Viação e Obras Públicas fizesse o projeto. 

A tarefa coube ao escritório do engenheiro Mario Leal Ferreira, que incumbiu o arquiteto Diógenes Rebouças de elaborar o plano. Com a destituição de Landulfo Alves pelo presidente Getúlio Vargas, o projeto original jamais sairia do papel. “Faltaram recursos e o novo interventor não levou a coisa pra frente”, conta Paulo Segundo, na época estudante de Engenharia. Com a eleição de Mangabeira, em 1946, voltou-se a cogitar a construção. 

Mas aí surgiu o projeto da Graça, que poderia virar realidade mais rápido. A dúvida atrasou ainda mais as coisas. “Na Graça ou na Fonte Nova?”, questionou o colunista Luiz Alberto, alertando que não daria tempo de a obra da Fonte ficar pronta para o 4º centenário de Salvador e até para a Copa. “Até agora o que vimos foi uma porção de promessas vãs, de projetos em estudo, abandonados a esmo. Será um louco sonho admitir-se que o fabuloso estádio da Fonte Nova estará concluído pelo centenário da cidade”, escreveu. 

Decidiu-se apostar. Diógenes Rebouças mexeu no plano original e projetou a Fonte só com um anel, em formato de ferradura. Adiantou-se a terraplanagem, cortou-se as encostas onde ficariam parte das arquibancadas, mas não deu tempo. A Fonte Nova só seria inaugurada em 29 de janeiro de 1951. E ainda inacabada. “Eu mesmo fiquei numa parte da arquibancada ainda no barro. Tive que sentar num papelão”, lembra Mário Gomes. 

Salvador romântica ouviu a Copa no rádio e chorou após decisão
Sem estádio para assistir à Copa do Mundo de perto, os baianos tiveram que se contentar com o radinho de pilha. Em uma Salvador bucólica, romântica e também provinciana, o “scratch” brasileiro chegou a empolgar mesmo de longe. “O futebol ainda não tinha essa popularidade toda. No Campo da Graça só cabiam umas seis mil pessoas. Mesmo assim, a Seleção criou expectativas”, afirma Paulo Segundo da Costa, 90 anos. 

Por isso, ao fim do jogo contra o Uruguai, o desastre no Maracanã, o clima era sepulcral. “A cidade virou um enterro”, conta. O artista e pesquisador Geraldo Portela, hoje com 74 anos, era menino, mas lembra do silêncio. “Me lembro que a cidade foi da euforia ao silêncio total. Primeiro o pessoal no rádio, empolgado. E depois ninguém comentava nada. Minhas tias animadas ficaram tristes. Teve gente que chorou”.

Arenas da Bahia
Se você quer conhecer mais dessa história, visite a exposição Arenas da Bahia - do Campo da Pólvora a Fonte Nova, durante a Copa.

O que: Exposição, fotos e áudio
Onde: Shopping Iguatemi, 3º Piso 
Quando: a partir de hoje e até o final da Copa
Entrada: gratuita

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